Prefeito de Florianópolis usa assistência social como 'controle migratório' de pessoas sem emprego
06/11/2025
(Foto: Reprodução) Vídeo do prefeito de Florianópolis falando sobre controle em rodoviária repercute
O prefeito de Florianópolis, Topázio Neto (PSD), divulgou um vídeo nas redes sociais em que mostra um posto da Assistência Social na rodoviária como estratégia para conter a chegada de pessoas sem emprego e moradia à capital. Segundo ele, cerca de 500 pessoas já foram “devolvidas” às cidades de origem.
A declaração gerou forte repercussão e levou a Defensoria Pública de Santa Catarina a instaurar um procedimento para apurar se a operação está impedindo o ingresso de pessoas em situação de vulnerabilidade e determinando seu retorno de forma irregular.
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Nas redes sociais, o chefe do Executivo declarou: "Garantir o controle de quem chega" e "Se chegou sem emprego e local para morar, a gente dá a passagem de volta". As falas repercutiram entre usuários nas redes sociais e motivaram manifestação de órgãos, como o Ministério Público.
Em entrevista à NSC TV nesta quinta-feira (6), Topázio usou outras palavras para explicar como funciona o serviço e afirmou que ninguém é obrigado a deixar a cidade. Segundo ele, o objetivo é oferecer orientação, e não impor decisões.
“Trata-se de convencimento. Ninguém é obrigado a fazer nada contra a sua vontade. O ser humano tem direito de ir e vir. O que podemos fazer é convencer, mostrar a ele que o melhor caminho não é ficar na cidade onde ele não tenha nenhum vínculo, nenhum laço, não tenha nenhuma oportunidade e muitas vezes o melhor é ele voltar para sua família e sua cidade de origem”, declarou.
Entenda polêmica prefeitura de Florianópolis sobre abordagens a migrantes
Após a repercussão, a Prefeitura de Florianópolis se manifestou por nota e disse que mantém o serviço feito pela Secretaria de Assistência Social para "dar suporte a todas as pessoas que chegam na cidade e precisam de alguma orientação".
Defensoria Pública declarou em nota que além da abertura do procedimento, não existe controle de limite entre municípios e ninguém pode ser impedido de circular pelo território nacional por não ter emprego ou moradia.
"A remoção ou o transporte compulsório de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social é vedado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e por legislações municipais que regulamentam o benefício eventual de passagem - que só pode ser concedido quando há vontade expressa da pessoa em retornar e comprovação de vínculo familiar ou comunitário na cidade de destino", diz o órgão (confira a nota completa mais abaixo).
Topázio Neto em vídeo que fala sobre ações contra quem chega na rodoviária
Reprodução/Instagram
Vídeo nas redes sociais
Topázio publicou um vídeo nas próprias redes em que fala sobre a ação feita pela assistência social na rodoviária. Ele não diz se a ação é feita em outros pontos de entrada na cidade, como o aeroporto e estradas.
"Para garantir um controle de quem chega, instalamos aqui um posto avançado da nossa assistência social. Se chegou sem emprego e local para morar, a gente dá a passagem de volta", disse o prefeito no vídeo.
Ainda na publicação, o prefeito apresenta o caso de um homem que teria sido enviado de uma cidade catarinense e que não tinha nenhum vínculo com Florianópolis. Sem o identificar e nem revelar o município de origem, falou que ele foi enviado de volta após contato com um familiar.
"Mais de 500 pessoas já foram devolvidas pelo trabalho dessa equipe e devemos reforçar ainda mais no verão", disse o prefeito no vídeo, reforçando que o objetivo é "manter a ordem e as regras".
"Não podemos impedir ninguém de tentar uma vida melhor em Florianópolis, mas precisamos manter a ordem e as regras. Quem aqui desembarca deve respeitar as nossas regras e a nossa cultura. Simples assim".
Repercussão
Ainda nota, a DPE-SC diz mostrar preocupação com "o discurso e a forma de abordagem adotados, que passam a ideia de que determinadas pessoas não são bem-vindas na cidade ou estão sendo identificadas e 'devolvidas' com base em critérios discriminatórios".
“O vídeo divulgado pela prefeitura traz um discurso de estigmatização e exclusão, ao dar a entender que pessoas pobres não podem permanecer na cidade. Além de ferir a dignidade humana, isso pode representar uma violação ao direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição”, disse a defensora pública Ana Paula Fão Fischer, coordenadora do Núcleo de Cidadania, Direitos Humanos e Ações Coletivas da Defensoria Pública do Estado.
O Ministério Público de Santa Catarina também se manifestou em relação à postagem. "O vídeo chegou ao conhecimento do MPSC e será encaminhado às Promotorias de Justiça com atribuição na área da cidadania para ciência e adoção das providências que entenderem cabíveis".
O presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil em Santa Catarina (OAB/SC), Prudente José Silveira Mello, criticou a medida e segundo ele, a ação “viola frontalmente a Constituição Federal, especialmente o artigo 5º, inciso 15, que garante o direito de locomoção em todo o território nacional".
Mello também afirmou que a medida fere a dignidade da pessoa humana e o princípio da igualdade, além de contrariar tratados internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos e o Pacto de San José da Costa Rica.
“Essa medida, prefeito, excede a competência municipal e pode configurar abuso de poder e violação violenta de direitos humanos. Simples assim, prefeito”, declarou.
Novo vídeo
Após a repercussão, o prefeito de Florianópolis publicou outro vídeo nas redes sociais mantendo as medidas de controle.
"Algumas pessoas que desconhecem a realidade da cidade e falando que vamos fazer controle migratório. O que a gente não quer é ser depósito de pessoas em situação de rua. Se alguma cidade mandar para cá, nós vamos impedir sim", reitera.
Também disse que "Se a pessoa chega aqui sem saber onde vai dormir, sem qualquer plano de vida, é óbvio que foi despachada de algum lugar". Por fim, destacou que os migrantes são mandados às cidades de origem apenas após contato com algum parente.
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O que diz a Defensoria Pública de Santa Catarina
O que diz a Defensoria Pública de Santa Catarina
Veja abaixo a nota completa da Defensoria Pública de Santa Catarina.
Defensoria Pública acompanha atuação da assistência social na rodoviária de Florianópolis
A Defensoria Pública do Estado de Santa Catarina, por meio do Núcleo de Cidadania, Direitos Humanos e Ações Coletivas (NUCIDH), instaurou procedimento para apurar medidas que estariam impedindo o ingresso de pessoas em situação de vulnerabilidade em Florianópolis e determinando seu retorno às cidades de origem. A iniciativa ocorre diante da divulgação de que mais de 500 pessoas teriam sido “devolvidas” pela Prefeitura da capital.
Para a Defensoria Pública, é essencial que o poder público mantenha serviços socioassistenciais acessíveis e acolhedores para orientar e proteger quem chega ao município em busca de melhores condições de vida. Esses serviços devem existir para oferecer apoio e encaminhamentos adequados, garantindo que ninguém fique desamparado.
O que causa preocupação, no entanto, é o discurso e a forma de abordagem adotados, que passam a ideia de que determinadas pessoas não são bem-vindas na cidade ou estão sendo identificadas e “devolvidas” com base em critérios discriminatórios.
“O vídeo divulgado pela Prefeitura traz um discurso de estigmatização e exclusão, ao dar a entender que pessoas pobres não podem permanecer na cidade. Além de ferir a dignidade humana, isso pode representar uma violação ao direito fundamental de ir, vir e permanecer, garantido pela Constituição”, destaca a defensora pública Ana Paula Fão Fischer, coordenadora do NUCIDH.
A Defensoria lembra ainda que não existe qualquer controle de fronteira entre municípios e que ninguém pode ser impedido de circular pelo território nacional por não ter emprego ou moradia. A remoção ou o transporte compulsório de pessoas em situação de rua ou vulnerabilidade social é vedado por decisões do Supremo Tribunal Federal (STF) e por legislações municipais que regulamentam o benefício eventual de passagem - que só pode ser concedido quando há vontade expressa da pessoa em retornar e comprovação de vínculo familiar ou comunitário na cidade de destino.
Diante da gravidade dos fatos, a Defensoria Pública informa que irá acompanhar e apurar a situação, a fim de garantir que nenhum direito fundamental seja violado e que a atuação da assistência social em Florianópolis ocorra dentro dos princípios de dignidade, acolhimento e não discriminação que devem nortear as políticas públicas.
O que diz a Prefeitura de Florianópolis
Veja abaixo a resposta da prefeitura à repercussão.
A Prefeitura de Florianópolis mantém um serviço de assistência social na rodoviária municipal para dar suporte a todas as pessoas que chegam na cidade e precisam de alguma orientação. Quando identificamos que essas pessoas chegam sem ter um contato de trabalho ou família, sem saber o que fazer e identificamos que foram enviadas a cidade por outros municípios, buscamos entender os motivos e enviamos de volta para a cidade de origem. É importante explicar que a assistência social sempre entra em contato com a cidade de origem e/ou familiares para dar o encaminhamento correto.
O que diz o MDS
"O Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome (MDS) repudia qualquer política ou prática discriminatória contra a população em situação de rua ou qualquer outro público em situação de vulnerabilidade. O MDS está em contato com o Conselho Municipal de Assistência Social para acompanhar o caso.
Vale destacar que o Ministério Público Federal (MPF) e a Defensoria Pública da União (DPU) foram acionados por representantes locais, e as autoridades competentes já adotaram as providências necessárias para assegurar o respeito aos direitos e à dignidade dessas pessoas.
Atenciosamente,
Assessoria de Comunicação Social"
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